Catedral de Santiago de Compostela
Localisação : Espanha
Quando dizemos “Santiago de Compostela”, a primeira coisa que me vem a cabeça, são esses peregrinos, de hoje ou da Idade Média, que, depois de ter caminhado várias centenas de quilómetros se não milhares, chegam finalmente nesta cidade da Galiza, no nordoeste de Espanha para velar o túmulo do apóstolo. Proponho que descubra comigo um dos altos lugares do catolicismo, património mundial da humanidade, que visitei com a maquina fotográfica pronta à disparar em mão. Este edifício é de tão grande importância, que tive de escrever dois artigos. Vamos começar neste artigo pelo exterior do edifício e noutro lugar, veremos o interior da catedral de Santiago de Compostela.
Contrariamente aos peregrinos, não cheguei à Santiago pelo meu próprio pé. Não, fui de automóvel e estacionei num dos parques de estacionamento privados nas proximidades da catedral. Embora tivesse gostado imenso de tomar os caminhos que levam à Santiago como os antigos peregrinos, sou forçado a render-me à evidência: não tenho a possibilidade de passar dois meses nas estradas! Talvez um dia mais tarde poderia viver o que os peregrinos viveram e efetuar essa proeza desportiva e mental, que atrai cada ano, milhares de pessoas.
A cidade é turística, nota-se, e está acostumada a receber inúmeras pessoas de passagem. A catedral que se vê ao longe desde a estrada, não é assim tão fácil de encontrar quando chegamos a velha cidade. O pavimento das pequenas e estreitas estradas medievais não é muito fácil de percorrer. Porém, o prémio desta viagem é- nos oferecidos no momento em que chegamos à Praça do Obradoiro, inundada de turistas e peregrinos, vindos para um lugar carregado de lendas e de História.
A lenda da descoberta do túmulo do apostolo Tiago
814, é o ano da morte de Carlos Magno e de uma descoberta de grande importância para a cristandade, neste lugar muito recuado da Europa: o túmulo de Santiago, o apóstolo que evangelizou a Península Ibérica. Esta descoberta foi de tão grande importância, que ainda hoje deixou marcas nas mentalidades. Talvez nunca saberemos quem estava realmente no túmulo. É claro que esta descoberta era “política”, o túmulo de um personagem tão importante só podia servir uma cristandade arturiana, em luta contra os poderosos muçulmanos de Espanha. Infelizmente, a probabilidade que este seja efetivamente o túmulo do Santo é ínfima, para não dizer nula: Tiago foi morto e decapitado em Jerusalém! Porém, escavações arqueológicas provaram que a catedral atual foi construída em cima de um cemitério romano…
Mas não era Tiago o apóstolo. Se o túmulo era o de um bispo herege como Prisciliano (uma possibilidade entre muitas), a descoberta teria sido inútil para os cristãos da época. Não, era preciso ter algo que unisse, algo que permitisse ao reino cristão das Astúrias obter apoio na luta contra os muçulmanos: o túmulo seria o de Santiago, figura sagrada do catolicismo da Península Ibérica. Os muçulmanos que chegaram um século antes, ocupavam a maior parte daquilo que é hoje Espanha e Portugal.
A lenda quer que seja um ermita, de nome Pelágio (Pelayo em espanhol e galego), que viu estranhas luzes no céu durante várias noites, iluminando a floresta de Libredón. Contou o sucedido ao bispo Teodomiro, da cidade de Iria Flavia (próximo da atual Padrón), que veio ver o fenómeno em pessoa. Encontraram numa colina o túmulo de três pessoas, Santiago, e os dois discípulos, Teodoro e Atanásio. O bispo decretando que se tratava de um milagre, informa o rei das Astúrias Afonso II. O rei, vindo ver o túmulo com os seus próprios olhos, tornou-se no primeiro peregrino Compostela.
As primeiras igrejas de Santiago de Compostela
Capela Primitiva
O rei, transtornado por tamanha descoberta, manda construir uma capela nesse lugar, e depois, em 829, uma igreja. Esta primeira igreja era de dimensões modestas. Escavações arqueológicas por debaixo da abside da catedral em 1879, revelaram o túmulo primitivo, tipicamente romano com um pórtico de colunas. A igreja primitiva, construído pelo rei, era composta por uma nave e uma pequena abside. As escavações tinham por missão encontrar o túmulo “perdido”. Com efeito, os ossos do apóstolo foram trasladados e escondidos para os preservar dos tempos perturbantes da História de Espanha. Com o tempo, o lugar exato foi esquecido, daí a necessidade de se proceder às escavações, coroadas de sucesso.
Igreja “pré-românica”
Muito rapidamente, os peregrinos começaram a chegar cada vez em maior número, o que obrigou a construção de uma nova igreja, consagrada em 899, ao pedido do rei Afonso III. Chamamos de “pré-romano” todos as corantes artísticas europeias posteriores ao Império Romano do Ocidente, mas anteriores, como o nome indica, à arte Românica. Imaginemos de maneira mais simples, que esta igreja era de Arte Asturiana, herdeira da arte visigótica. A igreja é composta por três naves. Irei um dia visitar as igrejas sobreviventes do período visigótico, elas dão uma ideia do que terá sido Santiago de Compostela no século X.
Esta nova igreja será destruída um século mais tarde, em 997, por Al-Manzor, último grande leader muçulmano de toda a Andaluzia, a Espanha muçulmana. As portas e os sinos da igreja são transportados por prisioneiros cristãos até a mesquita-Catedral de Córdoba. Aí, os sinos servirão de poste de iluminação na Grande Mesquita.
Este funesto evento para a cristandade, precipitará a reconquista da Península Ibérica. O estatuto dos séculos anteriores foi interrompido por Al-Manzor, originando desde então, o rancor dos cristãos: era necessário libertar a Espanha, e proteger definitivamente os lugares sagrados. Quando Córdoba foi conquistada pelos cristãos em 1263, o rei Fernando III, mandara prisioneiros muçulmanos transportar até a catedral de Toledo, os sinos e as portas da antiga igreja de Santiago de Compostela.
A catedral românica
É só em 1075, no tempo do rei Afonso VI, que se dá, o início dos trabalhos de construção da catedral. O novo edifício, de estilo românico, será concluído em 1122 e consagrado em 1128. Alguns anos mais tarde, em 1168, uma nova fase de construção dá os seus primeiros passos: a elaboração da cripta, mas sobretudo do Pórtico da Glória, obra do mestre Mateo, escultor muito cotado da época. A catedral será então novamente consagrada em 1211.
É uma catedral com uma planta clássica em forma de cruz latina, um nártex e duas colaterais. Cada fachada da catedral é um conjunto arquitetónico por si só, representa um período particular da Galiza.
O barroco churrigueresco de Santiago: a fachada do Obradoiro
Estamos no verão, inúmeras pessoas aproveitam para fazer uma pausa e se sentarem inclusive no chão para admirar esta fachada ricamente decorada do século XVIII. A fachada principal da catedral, veio sobrepor-se à antiga fachada românica, julgada na época como pouco digna para um lugar tão importante. O estilo é barroco, na sua variante churrigueresca, muito na moda na Espanha desse tempo. Trata-se da família dos escultores Churriguera, originários de Salamanca, que popularizaram este estilo espetacular e ricamente decorado, aqui, perfeitamente executado pelo arquiteto Fernando Casas y Novoa, entre os anos 1738 e 1750. Casas y Novoa não teve o prazer de assistir a consagração da sua maior obra, faleceu algum tempo antes.
Foi necessário talhar muita pedra para construir esta catedral, se a Praça do Obradoiro se chama assim hoje, é pela simples razão que “obradoiro” significa “canteiro” em galego. É fácil imaginar numerosos canteiros trabalharem nesta enorme praça, logo em frente ao grande estaleiro da catedral. Para aqueles que não sabem, o galego é uma língua independente e muito diferente do espanhol. É mais semelhante ao português, as duas línguas eram idênticas durante a Idade Média. Por consequência, este artigo perpassa pelos termos galegos, francês e espanhol para um mesmo elemento da catedral.
Para vós dizer toda a verdade, a fachada da catedral não parece assim tão espetacular, nem impressionante. Não é que eu esteja particularmente enfadado, mas diante do Obradoiro, a primeira coisa que vejo é a falta de manutenção do espaço, a sujidade, o uso, e musgo um pouco por todo o lado. Assim, é difícil para uma pessoa ter uma ideia mais clara da beleza desta fachada, merecedora de um sério trabalho de restauro. Isso está de facto em curso no conjunto da catedral, como se poderá ver em algumas fotografias tiradas no verão 2013.
Se detivermos algum tempo o nosso olhar sobre a fachada, poderemos observar os mil e um detalhes que a compõe. O estilo é barroco é verdade, mas elementos de outros períodos arquitetónicos ainda estão muito presentes. Não esqueçamos que este edifício imponente, é o resultado de séculos e séculos de construção e de renovação, iniciado durante o século IX.
A grande escadaria que vemos em frente a fachada, e que permite o acesso à catedral, é anterior à fachada barroca. Foi construída no início do século XVII, com base no projeto do arquiteto Ginés Martinez. Conseguimos vê-la nos desenhos de José Veja y Verdugo, um cônego da época, que desenhou a antiga fachada antes da sua demolição.
Torre de las Campanas, “Torre dos Sinos”
De cada lado da fachada, encontramos duas torres grandes, que dão o seu aspeto monumental e delgado à catedral. Como para a fachada principal, as torres eram na sua origem de estilo românico e foram retocadas ao mesmo tempo que a fachada do Obradoiro. A Torre “de las Campanas” encontra-se a direita da fachada, ao lado da epístola. Foi Luís XI, rei de França, que ofereceu os dois maiores sinos da torre em 1483.
Torre de la Carraca, “Torre do Chocalho”
A Torre da Carraca encontra-se ao lado do evangelho, isto é, à esquerda da fachada. Visualmente similar a sua irmã gémea, a Torre “de las Campanas”, é no entanto elevada muito mais tarde, ao mesmo tempo que a nova fachada do Obradoiro durante o século XVIII. O nome de “Carraca”, ou “Chocalho”, provém muito simplesmente do chocalho gigante que aí se encontra. Este instrumento era tocado durante a Semana Santa, substituindo os sinos.
Fachada românica de Santiago de Compostela : fachada das Praterias
Depois de ter visto a fachada barroca, a mais recente, se contornarmos os edifícios que compõem o claustro, com a fachada do arquiteto Rodrigo Gil de Hontañon, chegamos a fachada do transepto virada para sul, que é a mais antiga da catedral. A fachada das Praterias, da palavra galega “prata”, é a única que sobreviveu do românico. Foi construída entre 1103 e 1117, com modificações importantes ao longo dos séculos. Em 1884, adicionou-se uma série de estátuas que vinham do antigo coro do mestre Mateo. De cada lado da fachada, erguiam-se duas torres românicas, que desaparecem desde então. Hoje, podemos no seu lugar, admirar a torre do Relógio.
O seu nome de “prata” provém dos antigos joalheiros que trabalhavam neste lugar. Ainda hoje, no recinto que envolve o claustro e dando na praça das Praterias, encontram-se lojas que vendem joias.
Torre do Relógio
Esta torre é o ponto de referência dos peregrinos, literalmente um farol na noite. No cimo dos seus 75 metros de altura, se encontra uma luz, que está sempre ligada durante a noite, serve de guia para os peregrinos. Posso vos dizer que é muito eficiente, até na cidade moderna, a torre vê-se de muito longe. Quando a sua construção iniciou em 1316, a sua função era essencialmente defensiva, não devemos esquecer que os muçulmanos ainda estavam presentes na Península Ibérica, o trauma do ataque de Al-Manzor ainda estava muito presente nas mentalidades da época. O arcebispo Berenguel de Landória irá concluir a maior parte dos trabalhos. Facilmente conseguimos adivinhar o seu sobrenome de “Berenguela” quando vemos o nome do arcebispo…
É o arquiteto do século XVII, Domingo de Andrade que irá dar o seu aspeto praticamente definitivo, acrescentando mais dois andares e a famosa lanterna, guia dos peregrinos, entre os anos de 1676 e 1680. A Torre do Relógio assim conhecida, pelos relógios que aqui estiveram instalados no século XIX, também é conhecido pelo nome de “Torre da Trindade”. Para tocar as horas, dois grandes sinos foram instalados no século XIX com o relógio. A maior, de nome “Berenguela”, pesa cerca de 10 toneladas. Desgastados e estragados, os sinos tiveram de serem substituídos em 1990 por novas réplicas idênticas às antigas. Ainda podemos ver os antigos sinos pausados no chão do claustro da catedral.
Fachada da Quintana
É talvez o lugar que prefiro visto do exterior da catedral. Contrariamente à praça do Obradoiro, a praça da Quintana é sossegada. Podemos sentar-nos ao longo da parede do mosteiro de São Pelágio de Antealtares e aproveitar um pouco da tranquilidade desta grande praça onde não circulam automóveis. Por momentos, podemos fazer uma viagem no tempo, num momento em que os peregrinos vinham mais pela fé do que pela proeza desportiva. Esta praça é na verdade um antigo cemitério, convertido num espaço público no século XVI. Isto explica os nomes dos dois lados da praça, cortados ao meio por uma escadaria. O primeiro lado, é conhecido pelo nome das “Quintana dos mortos”, onde se encontra o cemitério, como o seu nome galego indica. É aqui que encontramos as duas portas da catedral orientadas para nascente. Do outro lado, por oposição, denomina-se por “Quintana dos Vivos”.
A fachada da Quintana possui duas portas. A primeira, à esquerda, é a Porta Real. Esta porta, de estilo barroco, foi iniciada em 1666 e terminada em 1700. É por esta porta que a família real entra na catedral. Podemos ver no lintel da porta, o brasão real. A segunda porta, a Porta Santa ou a Porta do Perdão, só abre durante os anos santos, ou seja, naqueles em que o 25 de Julho (Santiago) calha num domingo. O 25 Julho também é o dia da festa nacional da Galiza.
Fachada da Azabacheria
A praça de Azabacheria era o fim do caminho para os peregrinos que tomavam o “camino francês”, ou seja, a estrada dos peregrinos que vinham de França para Santiago de Compostela. É a parte espanhola dos caminhos de Santiago de Compostela. Esta fachada barroca, foi construída pelo arquiteto Lucas Ferro Caveiro, para responder a fachada do mosteiro de San Martiño Pinario, situada do lado oposto da praça imaculada. Realmente, não se gostava do estilo românico no século XVIII. É preciso dizer que a antiga “fachada do paraíso” foi vítima de um incêndio em 1758, o que permitiu a sua substituição por esta nova fachada de Azabacheria, mais ao gosto da época. Inúmeras esculturas que sobreviveram ao incêndio foram transferidas para a fachada sul, a fachada das Praterias.
A grande fonte que podemos ver hoje no claustro da igreja vem da praça da Imaculada: era a “Fons Mirabilis”, que desidratavam os peregrinos e lhes dava alguma frescura depois da sua longa caminhada. Foi transferida durante a construção da nova fachada.
Claustro de Santiago de Compostela
Os claustros têm uma característica muito particular: não sabemos muito bem se estamos do lado de dentro ou do lado de fora. Quanto a mim, logo que não haja telhado, considero que estamos do lado de fora da igreja, considerando a condição, que para lá se entrar, é imperativo passar pelo interior. Seja como for, para visitar o claustro, é preciso passar pelo museu da Catedral com um bilhete pago. Logo, não há muita gente! O claustro atual foi construído entre 1521 e 1559, substituindo um claustro mais antigo do século XIII. É construído num estilo de transição, entre o gótico e o Renascimento. Foi elaborado a partir dos projetos do arquiteto Juan de Alava e depois por Juan Gil de Hontañón. Como muitos claustros, serve de lugar de sepultamento para os “notáveis” da catedral. Vários bispos aí repousam.
A catedral de Santiago de Compostela, é talvez o monumento mais amado dos espanhóis. Encontramo-la nas moedas de 1, 2 e 5 cêntimos de euro. Estamos muito longe do pequeno cemitério antigo romano esquecido algures “no fim do mundo” da Galiza. Vimos o exterior deste venerável monumento, mas ficam tranquilos, o interior da catedral é ainda mais emblemático para aqueles que o visitam…
Duas torres particulares encontram-se no claustro: a Torre do Tesouro e a Torre da Vela. A Torre do Tesouro, visível desde o claustro e da fachada epónima. A esquerda da fachada das Praterias se encontra uma construção estranha dentro do seu género: elas fazem de facto recordar as pirâmides pré-colombianas da América Central. No momento da sua construção, no século XVI, a Espanha estava voltada para as suas novas colónias americanas, e esta torre, devia, de alguma maneira, render uma homenagem às pirâmides aztecas e maias. A segunda torre, a Torre da Vela, foi construída mais tarde durante o século XVII, e queria, como é evidente, guardar uma unidade de estilo com a torre mais velha.
Os telhados da Catedral
Tomando uma visita guiada, temos a sorte de poder visitar o que normalmente não é visível. Aqui podemos ver os telhados bastante peculiares da catedral. É verdade, contrariamente aos outros edifícios tradicionais da região, que são feitos em telha, os telhados da catedral são constituídos por grandes lajes de pedra, pousadas como uma grande escadaria. A razão para este tipo de construção é de ordem prática: não devemos esquecer que quando Santiago de Compostela foi construída, os muçulmanos ainda eram poderosos na Península Ibérica, o telhado permitia aos defensores do lugar santo de se deslocaram livremente pelos telhados, com todo os aparelhos necessários para se defenderem do inimigo. Já tinha visto este tipo de telhados em Notre Dame de la Mer, em Saintes-Maries-de-la-Mer, na comuna francesa da Provença-Alpes-Costa Azul. Alguns séculos mais tarde, esta construção permite para simples turistas como nós, passear sobre os telhados da catedral em toda a segurança.