Interior da Catedral de Santiago de Compostela
Localisação : Espanha
Quando o peregrino vem a Santiago de Compostela, tem essencialmente um objetivo: ver o túmulo do apóstolo Tiago. Tiago de Zebedeu ou Santiago Maior, fiel amigo de Jesus Cristo, dito o responsável pela evangelização da Hispânia, hoje Espanha e Portugal. Morto pela espada segundo o novo testamento, morto por Herodes Agripa I, rei da Judeia, os restos mortais terão sido transportados até a Galiza, onde foi enterrado segundo a lenda. Esquecido durante cerca de oito séculos, foi a redescoberta do seu túmulo por um ermida e o bispo local que permitiu fazer de São Tiago de Compostela, o lugar de relevo da Cristandade. Depois de ter apresentado a arquitetura exterior da Catedral onde se encontram as relíquias, proponho-vos entrar no edifício, entrando na pele de um peregrino, e assim descobrir as maravilhas do património mundial da humanidade que aqui se encontra.
Pórtico da Glória
O antigo peregrino da Idade Média, após uma longa e frequentemente perigosa caminhada, era finalmente recompensado à sua chegada pela beleza do lugar. Ele iniciava a visita da catedral passando pela porta do Paraíso, transformada hoje na chamada Porta da Azabacheria. Na atualidade, os visitantes preferem usar a porta principal da Praça do Obradoiro. O visitante moderno também recebe um prémio, à semelhança do peregrino. Quando entra no recinto da catedral, vislumbra uma obra- prima da Arte da Idade Média. Logo por detrás da fachada barroca do Obradoiro, encontra-se outra fachada, apenas visível em alguns lugares: é a antiga fachada romana da Catedral. O Pórtico da Glória, é a obra-mestra medieval da catedral. É da autoria do Mestre Mateo. Quando chegou a minha vez de visitar esse lugar mágico, grande azar, o pórtico estava em obras. Para visita-lo, era necessário comprar um bilhete no museu. A visita valeu a pena, o Porto da Glória merece a sua reputação. Foram necessários não menos de vinte anos (entre 1168 e 1188) para o Mestre Mateo e os seus assistentes canteiros (em galego, “obradoiro”) realizarem o pórtico. Os trabalhos finais levariam ainda mais tempo, o pórtico só fica realmente concluído em 1211. O Pórtico que vemos hoje, não é idêntico ao construído pelo Mestre: no momento da construção da nova fachada barroca no século XVIII, algumas estátuas foram deslocadas, estando agora no museu da catedral. A pintura policromada do pórtico está hoje na sua totalidade praticamente desaparecida.
O pórtico representaria a Jerusalém celeste, tal como está descrita no Apocalipse. É constituído por três arcos, um para cada nave da igreja. No arco da porta da direita, representa o Julgamento Final. No arco da porta da esquerda, episódios do Antigo Testamento estão representados. No arco central, no meio do tímpano, encontra-se o Cristo Pantocrator, um Cristo em toda a sua glória após o Julgamento Final, daí o nome do Pórtico. Cristo mostra os seus estigmas, em sinal de triunfo sobre a dor e a morte. Ele está rodeado pelos quatro evangelistas. Ao seu lado, encontram-se os anjos que seguram os símbolos da Paixão como a Cruz, e a coroa de espinhos. Dispostos em arco de circunferência (dentro da arquivolta), reconhece-se os 24 velhos do Apocalipse, segurando na sua maior parte, um instrumento de música: estão a tocar uma sinfonia em honra a Deus. Aos pés de Cristo, está Santiago.
Catedral Vella
Por debaixo do Pórtico da Glória, encontramos uma cripta, concluída pelo Mestre Mateo. Servia de sustentação ao pórtico para compensar a irregularidade do terreno. De estilo Romano, a Catedral Vella, ou a “Velha Catedral”, faz hoje parte do museu: é o ponto de partida para as visitas guiadas.
A nave central e as suas colaterais
Apesar do exterior da catedral ter sido mudado ao longo do tempo, o seu interior conservou o essencial da sua característica romana. A catedral é imensa, tem quase 100 metros de cumprimento, um transepto com 70 metros, uma altura máxima de 32 metros, e 22 metros na nave central. Depois de passar pelo nártex onde se encontra o Pórtico da Glória, encontramo-nos perante a simplicidade da beleza da catedral de Santiago de Compostela, que muito a honra, recheada de bancos para os fiéis na nave central, e os seus inúmeros confessionários nas colaterais. O confessionário em Santiago, é uma tradição para o peregrino crente que chega ao seu destino: serve para ele se purificar antes de se encontrar com o túmulo do apóstolo. Embora haja visitantes vindos dos quatro cantos do mundo, a igreja encontrou uma solução, propõe confessionários em várias línguas.
Capela Maior
No fim da nave, por detrás do altar-mor, encontramos a Capela Maior. Este espaço, situado no centro da catedral, é o que mais salta à vista no meio da simplicidade romana. Marca o lugar do local do túmulo de Santiago, ele se encontra na cripta logo por debaixo. A profusão exuberante do barroco esconde a estrutura original romana da Capela Maior. É preciso estar lá, para ver todos esses anjos que suportam o baldaquim, todo esse ouro e essa prata, pontuados por milhares de detalhes diferentes, para tomarmos conta da riqueza artística e das maravilhas culturais acumuladas ao longo dos séculos em Santiago de Compostela. A estátua principal de Santiago, data do século XIII, e é da feitoria do Mestre Mateo. O peregrino pode vir beijar o seu manto graças a uma escadaria construída na capela. Obviamente que o lugar é pequeno e que temos que esperar na fila para poder seguir viagem até ao manto. Logo por detrás da estátua do apóstolo, há um padre que toma conta do lugar e oferece a sua bênção às crianças. As fotografias são aqui proibidas. Num lugar sagrado, como é o exemplo de uma catedral, por norma, evitamos passar por cima das proibições. No entanto, esta chica-espertinha, que queria passar à frente de centenas de pessoas que faziam a fila para ir à cripta, e que foi gentilmente, mas firmemente, escoltada para fora pelos serviços de segurança… Fico surpreendido cada vez que vejo pessoas sem qualquer respeito pelos outros num lugar como este.
Botafumeiro
No cruzamento do transepto, debaixo da torre lanterna, encontra-se um imenso incensário suspenso por um cabo. É o botafumeiro, feito de latão e banhado em prata, tem 1,60 metros de altura e pesa 62 quilos vazio. A corda de 65 metros que o sustenta, pesa cerca de 90 quilos. Pode conter até 40 quilos de carvão e de incenso. Era utilizado na missa do meio-dia do domingo, mas por causa do desgaste da corda, a sua utilização é restringida aos momentos solenes como a Páscoa e o Natal. Nunca é demais recordar que a corda já se rompeu no passado, (em 1499, 1622 e 1937) felizmente, não fazendo qualquer vítima. Noutras ocasiões, é outro incensário mais pequeno que é utilizado, tem o nome de “Alcachofa”. Para mover o botafumeiro, é preciso um grupo de oito pessoas, que devem trabalhar em sincronia para conseguir faze-lo oscilar no bom sentido. O incensário poderá então se deslocar a toda a velocidade no transepto da catedral, chegando aos 68 quilómetros por hora.
Igreja de Santa Maria la Antigua de la Corticela
No século IX, existia uma igreja um pouco mais distante da igreja primitiva de Santiago, um mosteiro. Esse mosteiro, o mosteiro da “Corticela”, tinha no seu recinto uma pequena igreja. Com falta de espaço num mosteiro tão pequeno, os monges decidiram fundar outro mosteiro do outro lado da catedral, o mosteiro de “San Martin Pinario”. A igreja é então confiada à catedral e totalmente transformada em paróquia dedicada “aos peregrinos, aos estrangeiros e aos bascos”. Dizem que é a única igreja no mundo, que para se chegar a ela, devemos atravessar outra igreja: a Catedral de Santiago de Compostela. O seu nome de “Corticela” poderá vir no termo latim “curtis”, ou seja, um recinto, uma recordação da sua proximidade com o primeiro recinto de Santiago de Compostela.
Capelas da Catedral
Muitas capelas se encontram na catedral, quer num dos lados da nave, como no deambulatório. Uma parte destas capelas só está acessível a partir do museu da catedral: é portanto imperativo comprar um bilhete. Comecemos por dar uma vista de olhos nas capelas fazendo um passeio pela Catedral. Passando pelo Pórtico da Glória, do lado esquerdo, encontramos a Capela do Cristo de Burgos. Esta capela foi construída por Melchor Velasco entre 1162 e 1664, a pedido do arcebispo Pedro Carillo. É o crucifixo do século XVIII, obra central desta capela que lhe dá o nome.
Capela da Comunhão
Continuando o passeio, deparamo-nos com a Capela da Comunhão. Esta grande capela, construída para substituir a antiga capela de Nossa Senhora do Perdão, tem um nártex, e se apresenta com uma planta circular. Muitas missas são celebradas nas capelas, e o dia da nossa visita não fugiu à regra. Para respeitar a quietude dos crentes, não entramos em plena missa para tirar fotografias. A capela é do ano de 1769. É iluminada por um grande óculo no centro da sua cúpula. Em cada lado do Pórtico da Azabecheria encontramos duas capelas pequenas, a Capela da Santa Catalina (Santa Catarina) e a Capela de Santo António. A Capela de Santa Catalina abrigava o Panteão Real antes de ser transferido em 1535 para a Capela das relíquias. Indo em direção da Igreja de Santa Maria a Antiga de Corticela (ou Capela da Corticela), passamos por três capelas: a Capela de São Nicolau, a Capela de Santo André, e a Capela do Espírito Santo.
Capela de Santo André
Deixando para trás a Capela de São Nicolau indo em direção à Corticela, temos a nossa esquerda, a Capela de Santo André. Esta capela, construída em 1674, tinha na sua origem uma abertura para o exterior. Podia funcionar deste modo, como sala para os guardas. Foi transformada em capela em 1695 com um retábulo barroco do ano de 1707, obra de Fernández Espantoso. No retábulo, podemos ver a representação de Santo André na cruz. Em frente, encontramos a Capela do “Sancti Spiritus”, ou do Espírito Santo. Antes de chegarmos às inúmeras capelas da abside, (as capelas por detrás da abside, ao fundo da igreja), passamos pela Capela Prima. Percorrendo o deambulatório, passamos pela Capela da Santa Fé, da Capela de São João e finalmente pela Capela da Espanha.
Capela do Salvador ou “Capela dos Franceses”
Esta capela é muito particular para os franceses: é aqui que tem lugar as missas em francês. O rei de França Carlos V, que viveu durante o século XIV, fez uma doação muito considerável à catedral, para que cada dia, uma missa fosse celebrada nesta capela “para a prosperidade da França”. A capela está bem situada, no centro do deambulatório. É aqui que se deu início dos trabalhos da catedral romana, como atestam as inscrições dos capitéis que sustentam o arco na entrada da capela. É nesta capela que os antigos peregrinos vinham se confessar antes de receber a “Compostela”, prova que tinham efetuado a peregrinação. Continuamos o nosso percurso para passar pela Capela de São Pedro, praticamente idêntica ao que fora durante a Idade Média. O retábulo é do século XVIII. Em conclusão deste percurso entre as capelas absidais, a Capela de Mondragón, de estilo gótico flamejante. Ela é muito fácil de identificar graças ao seu belo gradeamento ricamente trabalhado que ornamenta a sua entrada.
Capela do Pilar
No início, esta capela devia ser a nova sacristia da catedral, mas o arcebispo Monroy tinha outros planos, preferindo dedicar este espaço à Nossa Senhora do Pilar em 1713. A capela só será terminada em 1719, e os decoros apenas no ano de 1723. Esta capela é a última que podemos ter acesso sem ter a necessidade de adquirir um bilhete antes de irmos por baixo da grande escadaria da fachada do Obradoiro, lugar onde podemos comprar um bilhete para entrar na parte reservada da catedral.
Capela das relíquias
Para aceder a este Capela, temos que passar pelo claustro. Ela é típica do plateresco, um estilo espanhol na moda no século XVI. Construída entre 1520 e 1535, ela é desde então usada como Penteão Real, com os restos mortais dos vários reis, transferidos da Capela da Santa Catalina.
Tesouro
Na capela gótica de São Fernando, acessível a partir do claustro, encontra-se o “Tesouro”. É aqui que são guardados os objetos preciosos da catedral para o serviço litúrgico. A maior obra do Tesouro, é um grande ostensório do século XVI, realizado pelo grande ourives espanhol Antonio de Arfe no estilo plateresco.
Palácio de Gelmirez
O Palácio de Gelmirez, nome do primeiro arcebispo de Compostela, é um edifício do período românico, construído por volta do ano 1120. É o edifício que se encontra logo do lado esquerdo da fachada do Obradoiro. Apresenta-se na atualidade com uma fachada do século XVIII. É um edifício civil, anexado à catedral. Era a morada do arcebispo. Hoje, faz parte do museu da Catedral.
Arquivos
Os arquivos da catedral são acessíveis a partir do claustro. Encontramos nos arquivos, um dos manuscritos mais preciosos: o Codex Calixtinus. Estes textos são muito úteis para compreendermos melhor a vida do peregrino do século XII, o códex foi escrito por volta do ano 1140. Podemos encontrar nele o “Guia do Peregrino de Santiago de Compostela”, uma espécie de livro-guia da época! O seu autor é provavelmente um francês de nome Aimey Picaud, monge do Parthenay-le-Vieux. Passou à frente do “Viajar como Ulisses”, numa distância de vários séculos…
A Cripta do apóstolo Santiago o Grande
Toda a Catedral, toda a cidade foi construída em redor do derradeiro objetivo do peregrino: o túmulo do apóstolo Tiago o Grande, discípulo de Jesus Cristo e evangelizador da Península Ibérica segundo os dizeres da tradição. O túmulo se encontra por debaixo da catedral, no interior da cripta. Temos que esperar muito tempo para poder descer, passando por um corredor muito estreito (e no entanto, já foi ampliado no século XIX) inundado de gente, sem nunca podermos parrar, para não estorvar os visitantes ou os peregrinos que estão atrás de nós. Mas não esqueçamos: observar o relicário em prata onde se encontram os supostos restos mortais do Santo, é o destino supremo do peregrino, que pode deste modo, render uma homenagem, por alguns segundos, ao discípulo de Jesus, evangelizador da Espanha. O relicário é de prata e criado em 1886 para abrigar as relíquias do Santo. Foram recentemente recuperadas desde o “esquecimento” da sua localização que ocorreu durante a sua translação no final do século XVI, com o intuito de protege-las dos piratas. Não esqueçamos que Francis Drake, o famoso corsário inglês do século XVI, parava nas redondezas.
O culto dos Santos, do qual Tiago faz parte, é considerado como uma idolatria pelas igrejas protestantes e uma transgressão da igreja católica perante o monoteísmo do Islão ou do Judaísmo. Conseguimos percebe-los, para quê rezar um santo quando podemos rezar diretamente à Deus? A própria existência dos santos é uma reminiscência das antigas religiões politeístas existentes na zona mediterrânea. Quanto a mim, posso admirar o génio criativo do Homem durante um milénio, estando todo ele, concentrado num espaço majestoso como é a catedral de Santiago de Compostela. Emana daqui uma atmosfera muito particular, que a torna diferente das outras catedrais: os peregrinos de mochila às costas devem ter alguma influência!
Por detrás da fachada do Obradoiro, a fachada românica
Fotografias do interior da Catedral de Santiago de Compostela
Informações Úteis
Excelente descrição da Catedral. Estive lá por esses dias e somente agora, a ler este post, tive maior noção de tudo aquilo que vi.
Parabéns!
Belíssimo trabalho. Parabéns!!!
Das minhas pequenas viagens a Santiago e visita à Catedral, ao fazer os meus diários de viagem, venho procurando na net algumas referências ao que vi (e de não sabia pormenores). Aqui vim ter, com muito agrado: uma reportagem fascinante, minuciosa de fotos e informações, respeitosa e muito bela. Preciosas mentes que nos ensinam, como uma viagem! Parabéns e obrigada.
(do Porto)
Ja estive em Santiago há 10anos e adorei toda a riqueza que Santiago de Compostela nos oferece. Neste dias vou fazer uma viagem de grupo com crianças e estava mesmo a precisar de um guia como o que encontrei aqui para puder transmitir ás minhas crianças o que lhes espera em Santiago. Muitíssimo obrigado pela ajuda que deu, pela descrição tão bem preparada e parabéns pelo trabalho!!
Como peregrino,a pé e de bicicleta, hospitaleiro no Caminho de Santiago, Confrade e Confrade Maior.
Fico encantado com a excelente reportagem fotográfica e sua descrição complementar. Parabéns pelo excelente trabalho, bem haja.
Por gentileza me informe uma coisa: estive nesta catedral d8a 1 de setembro de 1998 e lembro de ter visto e tocado na cabeça de um enorme Buda em prata.Hoje,pessoas que conhecem este prédio dizem que não existe.
Desculpe, mas em que edifício de Santiago viu e tocou nesse Buda?