Basílica e praça de São Pedro de Roma
A religião fundada há mais de dois mil anos por um pobre filho de carpinteiro muito evoluiu no decorrer no tempo. Passou de um pequena seita judaica, assim intitulada pelos romanos, para a maior religião do Ocidente. É no meu entender, a herdeira das antigas instituições romanas, da Cúria ao papado. Não existe em nenhum outro lugar no mundo, onde isso é tão visível como na Basílica de Roma. O maior monumento da Cristandade, construído pelo melhor do génio humano do Renascimento. Proponho uma visita guiada pela história e pelas imagens. Comecemos pela história da antiga basílica e pela arquitetura exterior da basílica atual, o nosso próximo artigo tratará do interior de São Pedro de Roma.
Quando São Pedro, discípulo e apóstolo de Jesus chegara à Roma, não pensava, nem mesmo nas suas mais loucas esperanças, que um belo dia, um imperador romano mandaria construir esta enorme basílica em sua glória. Os modestos inícios da religião católica, uma Fé baseada no amor e na pobreza, não permitiam entrever o monumento que vemos hoje. Algures ao longo dos séculos, a Igreja parece ter perdido de vista este ideal primordial… do seu início.
A basílica de São Pedro na época de Constantino
Durante o período do império, o lugar atual do Vaticano estava ocupado por um circo mandado construir por Calígula e concluído por Nero, o Circus Vaticanus. Era um lugar um pouco recuado do centro da cidade, onde vinha-se para se divertir e ver as corridas loucas de carroças, um divertimento que era na época, tão popular como os nossos jogos de futebol.
Obelisco do Vaticano
O Obelisco do Vaticano que podemos ver na atualidade no centro da Praça de São Pedro, provém do antigo circo: ele foi trazido do Egito para decorar a parede central da pista, em redor do qual tinha lugar as corridas de carroça. O Obelisco não sairá do seu lugar durante mais de 1500 anos, até que o Papa Sisto V, conseguira onde os seus quatro predecessores falharam: em 1586, após um trabalho de titãs e um deslocamento de 300 metros, o obelisco ocupa doravante a posição central de Praça de São Pedro. Roma volta a descobrir a sua antiga glória perante um símbolo da cristandade triunfante.
Um pormenor interessante, o obelisco foi transformado em gnómon de relógio solar em 1817. Adicionou-se algumas pedras no lugar da sombra da ponta do obelisco ao meio-dia à entrada do sol em cada signo do zodíaco. São pequenos detalhes que fazem toda a diferença!
Perseguição aos Cristãos no Vaticano?
Nós, como simples turistas, olhamos hoje para este obelisco e esta praça com respeito e fascinação. Basta imaginar que foi provavelmente na base do obelisco do Vaticano que São Pedro foi crucificado de cabeça para baixo no tempo de Nero. Isto claro, se confiamos nesta antiga lenda cristã, que quer nos fazer acreditar que todos os cristãos eram perseguidos com ódio no tempo de um imperador louco.
Segundo Tácito, após o grande Incêndio de Roma em 64, Nero terá mandado executar cristãos, responsáveis aos olhos dos romanos desta catástrofe. Terá oferecido este espetáculo macabro ao povo de Roma no Circo do Vaticano. Para Suetónio, Nero seria um déspota sanguinário que queria apenas usar os cristãos como distração para esconder o seu próprio crime, o incêndio voluntário da cidade. Os romanos pagãos eram considerados como pessoas sem lei nem fé, bêbados da luxuria ao olhar destes nobres cristãos primitivos sendo comidos por cabeças ferozes. Claro que isto não foi bem assim, mais, sabendo que Tácito, só tinha 6 anos aquando do incêndio e que Suetónio ainda estava por nascer.
Nero terá sido o grande construtor de Roma, depois deste incêndio, começou pelo seu próprio palácio, a nova Domus Aurea, um palácio cujo esplendor jamais foi igualado. A reconstrução irá ter em conta as críticas que foram efetuadas durante a luta contra o incêndio. Em oposição às pequenas ruas sinuosas, iriam-se construir largas ruas direitas, quanto aos inúmeros prédios colados uns nos outros, iria impor-se a interdição das paredes comuns. A gestão da reconstrução da cidade foi apreciada pelos romanos da época. Não falo aqui dos senadores e da oposição aristocrática (do qual Tácito e Suetónio fazem parte), mas do próprio povo, os habitantes de Roma.
A verdade, é que temos muito poucas fontes fiáveis. Em 64, nos primórdios do cristianismo, este era apenas mais uma seita no meio de tantas outras, vista como um conjunto de fanáticos, nada mais. Sem dúvida que alguns cristãos foram martirizados, mas não porque Roma era intolerante perante uma religião estrangeira, mais pelo facto de serem acusados de se regozijarem do grande incêndio! Com efeito, este incêndio devia soar na alma dos cristãos como uma “punição divina”, um castigo justo para esta sociedade romana que estava mais ocupada a olhar os jogos do circo do que prosternarem-se perante Deus Todo Poderoso. Face a este estado de alma dos cristãos e num sentido mais alargado, dos judeus, eles eram vistos como inimigos do género humano. É talvez neste contexto que o apóstolo Pedro foi condenado à morte. Os romanos deviam achar piada, ao facto que essas pessoas aceitavam com alegria as piores torturas! Clemente de Roma, papa do tempo de Domiciano, parece ter-lhe dito, que foram as dissensões internas entre cristãos que provocaram a morte de São Pedo, denunciado pelos seus…
O túmulo de São Pedro
Constantino, o primeiro imperador em favor dos cristãos da história, quis marcar as mentalidades da época construindo um monumento para a glória do cristianismo. Nenhum outro lugar estava tão bem preparado como o Vaticano e a sua longa tradição cristã. No tempo de Constantino, no início do século IV, Roma ainda estava longe de ser na sua maioria cristã. O imperador, atraído por esta religião, quis favorece-la, enquanto elemento unificador do estado, uma nova Fé que podia ligar o povo.
Antiga basílica do Vaticano
A nova basílica iria homenagear e proteger o que Roma tinha de mais precioso aos olhos dos cristãos romanos: o túmulo de Pedro. Para isso, vão arrasar por completo os restos do antigo Circo do Vaticano (Circus Vaticanus), abandonado desde o longínquo tempo de Vespasiano, mais de dois séculos antes, mas, de igual modo, uma antiga necrópole. Os trabalhos começam por volta do ano 330, são trabalhos de grande magnitude, pela necessidade de nivelamento do terreno da colina do Vaticano. Serão precisos cerca de 30 anos para que os trabalhos sejam concluídos. A basílica tornar-se-á cada vez mais importante, após o milénio que seguiu a sua inauguração. O próprio Carlos Magno, foi aqui sagrado imperador no ano 800.
O túmulo de Pedro foi reencontrado durante uma campanha de exploração arqueológica nas grutas do Vaticano em 1942. As grutas do Vaticano são um complexo de salas subterrâneas onde foram exumados os primeiros cristãos. Serviram ao longo dos séculos de necrópole papal. O próprio Pedro terá sido encontrado em 1953: encontrou-se o corpo de um homem de cerca de 60 anos, embrulhado em púrpura dentro de um esconderijo da necrópole primitiva cristã. Imagina-se facilmente a tremenda emoção dos arqueólogos perante relíquias tão sagradas…
A basílica de Constantino foi construída em redor deste túmulo, transformou nesse mesmo instante, a cidade de Roma na capital da Cristandade, tal como desejada pelo imperador. Era uma basílica clássica, semelhante no seu interior a atual Basílica de São João de Latrão. A antiga basílica de São Pedro tinha pelo seu lado, um grande peristilo diante da sua entrada, o “Jardim do Éden”, acrescentado no século VI. Composto por cinco naves e uma grande nave central, cada uma separada por 21 colunas de mármore provenientes de velhos monumentos pagãos. A maior parte dos grandes mosaicos e outras decorações da antiga basílica desapareceram durante a construção da nova, infelizmente, só podemos nos dias de hoje, admirar alguns fragmentos espalhados por outras igrejas italianas.
Em 846, a basílica foi pilhada pelos Sarracenos e parece que nunca mais voltou a ser como era. O novo papa da época, eleito em 847, Leão IV, decidiu, para além de restaurar a basílica, de construir muralhas em todo o redor da “Cidade Leonina”, isto é, do Vaticano e bairros vizinhos. Estas muralhas, ainda são hoje parcialmente visíveis. O golpe de misericórdia para esta venerável construção, foi a partida dos papas para Avinhão no século XIV. A basílica entra no esquecimento e caí praticamente em ruínas.
Foi o papa Nicolau V que foi o primeiro a tomar a decisão de restaurar a basílica de São Pedro. Entrega os trabalhos ao arquiteto Leon Battista Alberti e Bernardo Rossellino, mas os trabalhos serão interrompidos pela morte do papa em 1455. Quando finalmente a decisão fora tomada de construir uma nova basílica, era necessário arrasar uma antiga basílica com mais de 1100 anos. Mais vale dizer que não se podia fazer uma obra qualquer, ainda mais, sabendo que os católicos da época estavam muito ligados à antiga basílica, que remontava ao tempo de Constantino.
A arquitetura da basílica no Renascimento
O que podemos ver hoje na praça de São Pedro, não tem nada a ver com a antiga basílica de Constantino. Os melhores mestres do Renascimento participarem na renovação do centro do catolicismo. Para financiar o novo edifício, foi necessário ser criativo e encontrar o financiamento através de métodos não forçosamente… católicos. Lembra-se das famosas indulgências e dos seus abusos, que permitia aos cidadãos ricos de “comprar o paraíso”, e desta maneira, escapar ao purgatório! Estas indulgências abusivas foram a origem da revolta de Martino Lutero, fundador do protestantismo.
É incrível pensar que esta igreja sublime possa ser uma das causas diretas das guerras religiosas. Não é necessariamente algo que a igreja católica se glorifica, os abusos das indulgências, foi no meu intender, uma das páginas mais sombrias na história das religiões, com consequências funestas, mas não necessariamente desejadas pelo papa Leão X. No entanto, o seu cardinal, responsável pelo tráfico das indulgências, Alberto de Brandebourg, incarnava os excessos da igreja.
Praça de São Pedro
O que chama a atenção quando chegamos neste lugar barroco, é a magnitude da Praça de São Pedro (Piazza San Pietro em italiano) e as suas imensas colunatas elípticas de travertino. É de alguma maneira, uma lembrança do antigo peristilo, mas em proporções totalmente diferentes. É aqui que a multidão vem para os grandes eventos religiosos, na esperança de ver o papa e de receber a sua bênção.
A praça foi construída muito posteriormente, na época do papa Alexandre VII, sob a direção de Gian Lorenzo Bernini entre os anos de 1656 e 1667. Após passar uma vida a decorar o interior da basílica (devemos-lhe o baldaquim), chegara finalmente a oportunidade de experimentar o seu talento no exterior. As colunatas construídas em redor do grande obelisco avançam como dois braços estendidos para a multidão, para os acolher. A ordem arquitetónica escolhida foi a Toscana, uma ordem simples, mas em proporções gigantescas. As colunatas são encimadas por 140 estátuas.
Bernini era famoso pelos seus efeitos de ilusão óptica, e a Praça de São Pedro, é uma verdadeira obra- prima nesta matéria. As colunatas, compostas na sua totalidade por 184 colunas arrumadas em 4 filas, jogam com os sentidos dos visitantes perante este espetáculo de arquitetura. Marcas no solo, permitem ao visitante colocar-se no centro da ilusão óptica, aí, diante dos seus olhos, vê uma só fila de colunas, as restantes ficando ocultas pela primeira fila.
A janela do Papa
Levantando os olhos para norte, (à direita quando nos voltamos para a basílica), podemos ver o Palácio do Vaticano, onde se encontra uma parte dos museus do Vaticano e das maiores obras artísticas, começando pela Capela Sistina. É a partir de uma das janelas do Palácio, que o papa saúda a multidão, reunida para os grandes eventos. É a janela do seu escritório, situada nos apartamentos privados do soberano pontífice.
As fontes que podemos ver na atualidade são de Carlo Maderno. Arquiteto da fachada da basílica em 1615 para a mais antiga, e de Carlo Fontana, em 1675 para a mais recente. Eram respetivamente sobrinho e neto de Domenico Fontana, o arquiteto que consegui deslocar o obelisco.
O toque final posto a cabo neste lugar, perverteu a ideia de surpresa que daria Bernini ao peregrino recém-chegado. Em 1936, o próprio Mussolini, marcou o lançamento da Via della Conciliazione. Para construir esta magnifica avenida, bordada por lampadários em forma de obelisco, foi preciso demolir inúmeras construções e toda a identidade deste bairro. Do ponto de vista histórico foi uma calamidade, do ponto de vista urbanístico, foi um sucesso.
Fachada da basílica de São Pedro de Roma
As primeiras plantas da grande basílica de Roma, são da mão de Bramante, ganhou o concurso lançando pelo papa Júlio II. A primeira pedra desta nova igreja em forma de cruz grega e encimada pela cúpula, foi posta em 1506, iniciando-se assim, quase dois séculos de trabalhos contínuos, onde participaram Rafael e Miguel Ângelo.
Não foi fácil concluir a basílica de São Pedro. Depois da morte de Miguel Ângelo, quem era digno de completar o seu trabalho? Em 1602, Carlo Maderno é escolhido. Sobrinho de Domenico Fontana, o último arquiteto da cúpula, acabara a maior parte dos trabalhos criando as fachadas e as naves atuais, dando a basílica a sua forma em cruz latina em vez de grega. Em 1606, os últimos restos da basílica são demolidos, contudo, serão conservados alguns destes elementos na nova arquitetura.
Os trabalhos iriam avançar com celeridade, desde o começo em 1607 até o seu término em 1615. Esta fachada, é como todo o resto neste lugar tão especial: monumental. Larga de 114 metros e alta de 45 metros, inteiramente construída em travertino, é a ordem coríntia que domina aqui. A fachada é encimada por 13 estátuas colossais, desde Jesus no centro, rodeado dos seus 11 apóstolos e acompanhado por São João Batista. Esta fachada, não é porém o elemento arquitetural mais bem conseguido da basílica, temos que o admitir.
Provavelmente construída demasiado depressa, as duas torres originais que estavam previstas, nunca foram construídas por causa da fragilidade do terreno: a primeira torre sineira desabou durante a sua construção. São Pedro de Roma não tem portanto nenhuma torre sineira! A fachada da basílica esconde a vista da cúpula, se olharmos de longe, parece de alguma maneira, apenas uma grande parede decorada por estátuas. É uma pena ter-se negligenciado desta maneira a fachada, mas o edifício é principalmente voltado para o interior, onde se encontram as relíquias, as estátuas, as pinturas, dignas da primeira igreja da cristandade. Será necessário todo o talento de Bernini para recuperar esta fachada, em grande parte graças ao desenho peculiar da Praça de São Pedro.
A basílica de São Pedro de Roma será finalmente consagrada no dia 18 de Novembro de 1626. Agora que já fiz a apresentação, convido-o a visitar o interior da basílica, não sem esperar alguns minutos para passar o controlo de segurança. A visita vale por si só, uma deslocação a Roma. Não se esqueçam de visitar os telhados de São Pedro. A vista sobre a cidade de Roma é de cortar a respiração. Podemos ver a linha reta da Via della Conciliazione que vai até ao Castelo Santo Ângelo e o rio Tibre.