A torre de Hércules, o mais antigo farol do mundo

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A Galiza, esta região autónoma do noroeste espanhol, possui na cidade da Corunha um edifício como não existe outro igual no mundo. Apaixonado pela história do Império Romano, eu tinha que ir ver este monumento maior romano, mas que não é infelizmente muito conhecido pelo grande público fora das fronteiras espanholas : a Torre de Hércules. Este farol é o mais antigo ainda em actividade no planeta : quase 2000 anos a ajudar os marinheiros à procura de um guia nesta zona tormentada do Atlântico.

A Torre de Hércules

A Torre de Hércules

A Torre de Hércules no seu promontório avançando no Atlântico

A Torre de Hércules no seu promontório avançando no Atlântico

A beleza, mas principalmente a utilidade deste venerável farol é ums do simbolos do que foi o Império Romano : juntar o útil ao agradável, construir antes de mais para preencher uma função que servirá a todos. Por vezes são pontes, outras vezes aquedutos ou estradas, muitas vezes grandes salas de espectáculos, como os circos, os teatros ou anfiteatros. O farol da Corunha, a Torre de Hércules, é fiel ao seu posto desde o princípio. Ele conheceu o apogeu do Império Romano, a invasões barbaras, as razias dos Mouros e dos Vikings, a Reconquista, as Grandes Descobertas, a guerra civil espanhola… ou seja, toda a história da península ibérica desde os primórdios da cultura latina nestas terras do Oeste europeu.

A decoração helicoidal que percorre em toda à volta o farol, recordação da antiga escada que ia até ao topo.

A decoração helicoidal que percorre em toda à volta o farol, recordação da antiga escada que ia até ao topo.

Pharum Brigantium

O que é hoje a Corunha era, antes da chegada dos Romanos, uma cidade de um povo céltico, os Ártabros. A cidade deles, designada pelos antigos geógrafos de “Portus Magnus Artabrorum”, ou seja, Grande Porto dos Ártabros, chamava-se na altura “Castro Elviña”, e parece ter sido ocupada desde o século III a.C. Aldeia fortificada típica da “Cultura castreja” comum no noroeste ibérico, foi romanizada pouco a pouco a partir da chegada dos romanos na região, no século II a.C.

Mesmo se os Romanos estavam presentes na península ibérica desde as guerras púnicas, o norte do que é hoje a Espanha só foi conquistado tardiamente. No ano 61 a.C., Júlio César decide fazer do reino de Brigantium uma praça-forte romana, atraído pelas riquezas da Galiza. Este nome de Brigantium encontra-se noutras cidades do Império: a actual Briançon em França ou Bragança em Portugal tinham o mesmo nome. O Farol, situado na região de influência de Brigantium, era conhecido na Antiguidade com o nome de “Pharum Brigantium”.

O muro foi ajustado com pequenas pedras ao longo do tempo

O muro foi ajustado com pequenas pedras ao longo do tempo

A Galiza, durante o período romano, era uma zona importante de produção mineira, de ouro e estanho essencialmente. Foi para ajudar as rotas comerciais que provavelmente se construiu um farol nesta região costeira acidentada, no primeiro século da nossa era, talvez uma reconstrução de um farol anterior. O farol, a mais da sua função marítima, também era utilizado para vigiar a cidade. É provável que Brigantium foi um dos pontos de partida da frota romana, no processo de conquista do que é hoje a Grã-Bretanha. Um dos numerosos indícios que permitem ter essa certeza é posição do próprio farol: ele favorece a navegação para o norte ou noroeste, ou seja em direcção do que é hoje a Inglaterra ou a Irlanda. Da Galiza deviam talvez ir navios carregados de azeite da Bética, província romana do sul da Espanha. O azeite era considerado essencial pelos legionários romanos que foram à conquista dos territórios ingleses.

A cidade, com os Romanos do primeiro século da nossa era, conhecer um período de prosperidade, como em todo o Império, aproveitando dos efeitos da “Pax Romana” e do seu “Pharum Brigantium”, a Torre de Hércules dos nossos dias. Uma tradição popular diz-nos que o nome actual da cidade, “A Coruña”, talvez venha de “A coluna”, ou seja, o farol.

História da Torre de Hércules

A torre romana construída no primeiro século talvez veio em seguimento de outro edifício, de origem céltica, a Torre de Breogán. Foram encontradas moedas romanas, datadas dos reinados de Nero até Domiciano. A inscrição latina que foi encontrada na base do farol indica-nos que o arquitecto era Caius Sevius Lupus, um lusitano vindo de Aeminium, ou seja, a cidade de Coimbra actual. O arquitecto dedica a sua construção ao deus Marte, como nos indica a inscrição:

MARTI
AVG.SACR.
G.SEVIVS
LVPVS
ARCHITECTVS
AEMINIENSIS
LVSITANVS EX V.

Este mesmo arquitecto foi o autor provável do criptopórtico de Aeminium, que segurava o fórum desta cidade.

Esta maneira de fazer os arcos por cima das portas encontra-se também no criptopórtico de Aeminium

Esta maneira de fazer os arcos por cima das portas encontra-se também no criptopórtico de Aeminium

Podemos ver aqui os resultados das pesquisas arqueológicas de 2009, com a parede externa do antigo farol.

Podemos ver aqui os resultados das pesquisas arqueológicas de 2009, com a parede externa do antigo farol.

Difícil para um olhar não conhecedor de saber a que corresponde cada pedra caída no chão

Difícil para um olhar não conhecedor de saber a que corresponde cada pedra caída no chão

Mesmo após a queda do Império Romano, o farol iria a conservar toda a sua importância. Apesar do pouco cuidado e com a sua luz doravante apagada, ele servirá de ponto de referência de dia aos navegantes da Idade Média. Nesta mesma altura, a Torre de Hércules também foi uma fortificação. Foi no século XVI que este farol foi reposto em actividade completamente, com o acréscimo da actividade marítima neste período. Era então preciso para o município impedir que os seus cidadãos viessem ao farol buscar pedras para as suas construções, e permitir o acesso à lanterna, construindo uma escada de madeira interna.

Um elemento da lanterna antiga. Existe fortes probabilidades que os romanos utilizassem azeite e espelhos.

Um elemento da lanterna antiga. Existe fortes probabilidades que os romanos utilizassem azeite e espelhos.

Escada interna e moderna do farol.

Escada interna e moderna do farol.

Foi em 1788 que o engenheiro militar, Eustaquio Giannini, começa os trabalhos de restauro da Torre de Hércules, dando-lhe o seu aspecto moderno a partir de 1791. Giannini teve a boa ideia de conservar ao máximo o antigo monumento, ajudado nisto por José Cornide, um grande erudito e cientista espanhol, originário da Corunha, apaixonado pelo farol. A Torre de Hércules vai conhecer desde então todas as evoluções dos equipamentos modernos de um farol, com a luz cada vez mais potente, e por conseguinte, cada vez mais visível para os marinheiros.

O restauro de Giannini é notável. O estilo neoclássico conservou o espírito romano do edifício.

O restauro de Giannini é notável. O estilo neoclássico conservou o espírito romano do edifício.

Ruínas na base do farol.

Ruínas na base do farol.

A lenda da Torre de Hércules

Tudo começa com Breogán, fundador mítico da nação galega. Existe várias versões da sua lenda, valorizadas no século XIX. Foi nesta altura que se redescobriam personagens como Viriato, Vercingetórix, Arminius ou Boadiceia: a subida dos nacionalismos europeus daquele século fizeram muito para a redescoberta destas personagens doravante transformadas em “heróis”, mas o processo não foi totalmente honesto, sabemo-lo, com a verdadeira história dos povos em questão.

Estátua de Breogán, no parque do farol.

Estátua de Breogán, no parque do farol.

A primeira lenda vem do Leabhar Ghabhála Érenn, o “livro das invasões”, compilado na Irlanda no século XI, a partir das lendas orais daquela ilha. Breogán, rei celta mítico da Galiza e fundador de Brigantium, terá construído nesta nova cidade uma torre tão alta que os seus dois filhos, Ith e Belenus, podiam ver do seu topo uma costa verdejante, a Irlanda. A Torre de Breogán seria assim a antepassada da Torre de Hércules, construída no mesmo sítio. Bem decididos a irem ver o que havia numa terra tão verdejante, os dois filhos do rei celta foram à aventura. Para que os filhos encontrassem o caminho de volta, Breogán fez acender uma grande fogueira tudo em cima da torre, mas infelizmente, Ith foi assassinado no norte da Irlanda, o que provocou a ira dos galegos. Mile Espáine, que era sobrinho de Ith e neto de Breogán, decide vingar o seu tio. Os Milesianos, como são conhecidos os filhos de Mile Espáine, partem de Brigantium conquistar a Irlanda, e são hoje considerados os antepassados lendários dos irlandeses, após terem expulsado os deuses Tuatha Dé Danann da ilha verde.

Esta rosa dos ventos representa os diferentes países celtas.Esta rosa dos ventos representa os diferentes países celtas.

A segunda lenda fala-nos de um rei de Brigantium, Gerião, que obrigava os seus súbditos a darem-lhe a metade dos seus bens, crianças também, para ele poder alimentar o seu rebanho de touros. Gerião era, segundo a mitologia grega, um gigante de três cabeças. A população pediu a ajuda de Hércules, que, após três dias e três noites de um duro combate, finalmente venceu. Era o décimo dos seus muito conhecidos 12 trabalhos. O herói enterra a cabeça (ou as cabeças…) de Gerião e constrói-lhe um túmulo com uma tocha no seu topo, a Torre de Hércules. A primeira rapariga que veio a morar na nova cidade criada por Hércules, Crunna, vai dar o seu nome à cidade que hoje conhecemos por “Corunha”.

O farol de hoje, muito restaurado, é muito diferente daquele que os romanos conheceram.

O farol de hoje, muito restaurado, é muito diferente daquele que os romanos conheceram.

Arquitectura do farol

De base quadrada, o farol é uma obra-prima da engenharia romana, situada num promontório de 57 m de altura. Cada lado da base original romana fazia 18 m, para uma altura total de 41. Esta estrutura, a fachada exterior antiga, envolvia uma outra estrutura, que foi aquela que sobreviveu até hoje. A escada que levava até a lanterna circulava por entre as duas estruturas. A parte exterior perdeu-se na Idade Média, os moradores das proximidades utilizando as pedras para as suas próprias construções, como em muitos outros monumentos da Antiguidade Clássica. A estrutura interior restante faz hoje 11,75 m (ou 33 pés romanos). Hoje, 34 m do antigo farol estão conservados no seio do novo edifício de 55 m de altura, renovado no fim do século XVIII por Giannini.

A fachada neoclássica de Giannini.

A fachada neoclássica de Giannini.

A lanterna e as torres mais pequenas. Nada disto é romano.

A lanterna e as torres mais pequenas. Nada disto é romano.

Para atingirem esta altura, os romanos construíram três níveis, cada um composto por quatro câmaras. Nas novas fachadas de neoclássicas de Giannini, que escondem o monumento original com 60 cm de espessura de granite (mas que o protegem), podemos ver uma recordação das escadas antigas, com a imposta helicoidal que percorre o edifício de baixo para cima. Estas escadas eram utilizadas para trazer o combustível para a lanterna do farol. Hoje, é preciso subir os 234 degraus da escada interior para chegar ao topo da torre, e poder apreciar a vista sobre a cidade e o mar.

Uma das grandes câmaras da torre

Uma das grandes câmaras da torre

Tudo em cima da torre, pode-se ver o parque que o rodeia.

Tudo em cima da torre, pode-se ver o parque que o rodeia.

A torre original tinha por cima da sua base quadrada uma rotunda. A torre nova restaurada por Giannini, que podemos ver hoje, possui uma torre octogonal por cima da base quadrada, e outra torre redonda. As modificações da Torre de Hércules são relembradas nos baixos-relevos de bronze que podemos observar nas duas portas de entrada na base do farol.

As duas portas de bronze na base do farol.

As duas portas de bronze na base do farol.

A Torre de Hércules nos nossos dias

30 segundos em frente da Torre de Hércules

Em 2009, a UNESCO reconheceu a Torre de Hércules como sendo “património mundial da humanidade”, transformando-a num bem inestimável. Mesmo se os faróis são cada vez menos úteis hoje, a Torre de Hércules guardará sempre o seu valor histórico e simbólico excepcional, um monumento romano numa região que era considerada no momento da construção como sendo o “fim do mundo”, ou, em latim, “Finis Terrae”.

Os turistas, numerosos, estão sempre prontos para subirem ao farol. Temos que dizer que os acessos foram bem feitos.

Os turistas, numerosos, estão sempre prontos para subirem ao farol. Temos que dizer que os acessos foram bem feitos.

Se algum dia andar de barco nesta parte do Atlântico, e que estiver perdido, se vir 4 relâmpagos de luz branca todos os 20 segundos, sabe que está a olhar para o farol da Corunha. Cada farol possui a sua assinatura visual, o que permite aos marinheiros reconhecer o farol que observam.

Fotos da Torre de Hércules

Gaiteiro. A gaita é um instrumento tradicional da Galiza.

Gaiteiro. A gaita é um instrumento tradicional da Galiza.

A escadaria em frente ao farol.

A escadaria em frente ao farol.

Esta pequena abertura testemunha da espessura das paredes.

Esta pequena abertura testemunha da espessura das paredes.

A iluminação eléctrica é a menos negativa para o farol possível, com tubos passando por fora da parede.

A iluminação eléctrica é a menos negativa para o farol possível, com tubos passando por fora da parede.

Mós romanas

Mós romanas

Grande terraço na base do farol, de época moderna.

Grande terraço na base do farol, de época moderna.

Escada interior da Torre de Hércules.

Escada interior da Torre de Hércules.

Ultima plataforma antes de chegar no topo da torre.

Ultima plataforma antes de chegar no topo da torre.

A torre permite controlar o mar, mas também o que se passa na cidade.

A torre permite controlar o mar, mas também o que se passa na cidade.

Na foto da esquerda, uma das janelas. Na direita, a pequena escada que permite subir até a ultima secção antes da lanterna.

Na foto da esquerda, uma das janelas. Na direita, a pequena escada que permite subir até a ultima secção antes da lanterna.

Na esquerda, é para descer. Na direita, para subir à lanterna, mas ela está fechada ao público.

Na esquerda, é para descer. Na direita, para subir à lanterna, mas ela está fechada ao público.

Giannini respeitou o monumento antigo segundo os critérios da época dele. Aqui, o chão da torre octogonal que foi adicionada à torre romana de base quadrada.

Giannini respeitou o monumento antigo segundo os critérios da época dele. Aqui, o chão da torre octogonal que foi adicionada à torre romana de base quadrada

O tecto da última torre antes da lanterna.

O tecto da última torre antes da lanterna.

Informações Úteis

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Localisação da Torre de Hércules


Commentaires

  1. jose disse:

    Excelente artigo. Parabéns.

  2. Maria disse:

    Estive lá há poucos dias e agora fiquei mais elucidada.
    Muito obrigada

  3. Nerivan Silva disse:

    Importante monumento histórico de La Corunha. Reflete um pouco a história desse local.

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